Boa leitura!

Abra-se, sinta o cheirinho penetrar nas suas narinas e o abraço envolver o seu corpo. Respire fundo, não tenha medo!
Entre neste mundo que não é só meu, viaje comigo e deixe-se levar.

27 de maio de 2014



Olhos de bolotas que encontram um príncipe encantado

Era uma vez... Não via a hora de chegar aquele momento, de colocar o maravilhoso vestido e, de gata borralheira, transformar-me na princesa dos olhos de bolotas azuis.
Logo no início da tarde, os preparativos começaram: brinco, anel e pulseira separados; sapatos e vestido a postos; unhas e cabelos arrumados... Enfim, tudo organizado para a serata.
Parecia que aquele dia estava me dizendo que algo maravilhoso mudaria a minha história. Mesmo assim, não dei importância ao que sentia, afinal, até então estava tudo monótono, tudo do mesmo jeitinho.
Final de tarde, arrumei-me e segui para o local do jantar. A noite estava tristonha, ou melhor, havia chovido e as estrelas não queriam brilhar, escondiam-se entre as nuvens. Era um clima nostálgico, de reflexão, de situação.
Diante do salão, encontrei as minhas companheiras reais, cumprimentamo-nos e nos colocamos a recepcionar os convidados. Cada qual trazia em seu semblante um sorriso e um ar de “que bom estar aqui”. Dessa forma, aquela noite chatinha foi ganhando ares de alegria e encantamento. O friozinho inicial deu espaço a um calor que não permitia que rainha e princesas permanecessem o tempo todo no salão devido à quantidade de panos do vestido.
E assim ficamos: “Buona sera”, “Boa noite”, “Come stai”... E entre uma conversa e um sorriso, alguém me chamou a atenção, porém, fiquei na minha, fiz de conta que nada era nada. Até que o jantar começou a ser servido e nós, da realeza, não sabíamos o que fazer.
Diante da mesa onde estávamos, os familiares de uma das princesas se encontravam e para eles questionamos: “Será que podemos jantar?”. E um menino, sorrindo – que nunca tinha visto em nenhum dos eventos... um príncipe vestindo preto, usando óculos – olhou-me e disse: “Princesas são jantam, vivem de sorriso!”. Foi o que bastou para me chamar ainda mais a atenção e o ambiente ser invadido por sensações estranhas, porém, muito boas.
A noite seguiu, jantamos sim, divertimo-nos e confesso que trocas de olhares aconteceram, de uma forma um pouco disfarçada. Algo parecia mais forte do que eu, algo realmente me contagiava. E, pertinho do príncipe estava a minha família e a família dele, assim, podíamos ficar próximos... Talvez coisa do destino, talvez quisesse que nos conhecêssemos.
Após o jantar e as brincadeiras com as crianças, fui à rua pegar um arzinho. Encostada ao ferro de apoio da escada, conversando com o povo real, de repente veio ao nosso encontro o príncipe loiro, de olhos azuis, porém sem seu cavalo branco, também não era necessário. Simpático, sorridente, pôs-se a conversar conosco.
A conversa foi interrompida, eu acho que pelas brincadeiras das crianças que ali estavam e que nos entregavam pequenas flores. Uma delas – não sei o porquê – transformou-se em uma verdadeira jornalista, perguntando-me sobre a minha vida: onde morava, o que fazia, quantos anos tinha... Para o príncipe, quem sabe, foi algo conveniente porque, dessa forma, não precisaria perguntar, perguntavam por ele.
Não ficamos muito tempo conversando não, em seguida, começou a brincadeira: hora do bingo, hora da entrega dos prêmios, hora de voltar à realidade e colocar os pés ao chão. Compreender que para uma história iniciar, outras situações precisariam ser pensadas e repensadas, decisões precisariam ser tomadas para que não houvesse mágoas e nem ressentimentos.
Assim aconteceu... Dias se passaram, mas a princesa não conseguiu esquecer o príncipe sem cavalo branco, a princesa não conseguiu mais não pensar no príncipe sem cavalo branco... a princesa passou a pensar no príncipe sem cavalo branco a todo o momento.
Entre pensamentos e pensamentos, uma velha história foi rompida, uma nova história iniciada. Uma história em que a princesa dos olhos de bolotas e o príncipe sem cavalo branco viverão felizes para sempre, alegrando o reino sempre encantado.

16 de maio de 2014

A magia das histórias

“Chegou a hora!” – disse a mim mesmo – “É hora de apagar a tevê, concentrar-me e trazer a tona o que nesta mente brilhante sempre fica borbulhando.”
 É sempre aquela mesma coisa, lá, lá no fundinho da caixa preta, as histórias incríveis saem e se forem contadas em voz alta, parece que também saem, não com eu gostaria, muita coisa se perde, mas... “Garoto, foco!”.
 Opss, meu inconsciente está me chamando.
Retomo as letras e aqui estou eu novamente: luz, câmera, ação...
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___ Capisco si!
Era assim que as conversas sempre terminavam quando papà, diante da plantação, tentava me ensinar sobre a lida. Porém, confesso que não estava nada interessado pelos seus ensinamentos.
___ Fabrizio mio, non è così che si taglia l'uva, caspita!
Não entendia ele, que a forma de eu retirar o cacho de uva tinha haver com a minha imaginação. Eu era apenas uma criança, tinha oito anos, queria brincar e a forma encontrada era fantasiando.
Lembro-me muito bem de ser surpreendido várias vezes por mio papà aos sacolejos, segurando-me pelos braços e gritando:
___Svegliati, svegliati, svegliati dai tuoi sogni, ragazzo, ora momento dal lavoro, Dio Mio.
Sabia que era momento do trabalho, mas eu estava sim lavorando, fazendo lavoro de bambino: ampliando a minha fantasia. Nessas horas em que via mio papà arrabbiato, logo procurava encontrar uma forma de escapar do inimigo. Era engraçado.
Saía correndo pelos parreirais, mio papà atrás, com a cinta in mano – para mim uma arma poderosa que poderia me deter – porém, por eu ser piccolino, corria muito mais, além de ter mais fôlego. Claro que papà nunca me alcançava, ele sempre acabava se sentando para descansar e dizia as mesmas palavras:
___ Ragazzo, ragazzo, non hai giudizio!
Juízo eu tinha de sobra, adorava ver mio papà correndo atrás de mim, era pura diversão. As pisadas nos ganhos secos e nas folhas caídas ao chão faziam um barulho que ainda hoje me trazem sensações maravilhosas. Parecia uma tropa tentando me capturar e eu fugindo.
Quando eu percebia que ele tinha se acalmado, procurava chegar perto. Apesar daquele jeito rude, de correr com a cinta in mano, non mi ha mai colpito um tapa, sempre foi bem carinhoso. Mamma sempre comentava que papà parecia um abacaxi dolce: bello por dentro e brutto por fora.
Bene, papà sempre tentou me ensinar as lidas do lavoro. Hai capito? A verdade é non ho mai capito niente, sempre quis saber de outras coisas, menos de uva, menos de piantagione. Mio papà dizia que eu era um bambino estranho, mas um figlio molto speciale porque consegui, pouco a pouco, fazer com que ele também conhecesse o meu mundo.
Até os sete anos, mia mamma é quem ficava comigo o dia todo. Ela costumava a dizer a famiglia que eu tinha alguma coisa diferente, mas que não sabia o que era. Confesso que também me sentia assim, as crianças da minha idade gostavam de coisas normais: peão, bola de gude, boneca, carrinhos; mas eu era atraído por letras.
Se quisessem saber onde estava Fabrizio, poderiam apostar: diante de um cartaz, uma revista... qualquer coisa que tinha letra. Por isso, ao completar oito anos, mamma e papà fizeram um acordo: papà ficaria comigo na plantação porque assim eu estaria longe das letras e me tornaria um bambino normal.
Una vera illusione! Naquela época, a escola era lontana, aprendíamos tudo em casa, con i genitori. Mia mamma, mal tinha terminado a quarta-série e não sabia escrever, mio papà rabiscava apenas algumas palavras. Eu, Fabrizio, com oito anos, ficava ali, em frente delas, que me chamavam tanta atenção, mas que me foram “proibidas’, brutto engano.
Um nuovo mundo eu encontrei junto ao papà, lá no meio dos parreirais eu criava minhas histórias, fantasiava, chegava até a dormir de tanto sonhar, o que me levava a ser sacolejado ou a ter que fugir do arqui-inimigo. Quando chegávamos a casa, mamma perguntava:
___ Qualcosa di nuovo?
___ Niente! Le stesse stranezze!
Eu sabia do que comentavam, de mim, claro, mas não me importava não. E dia após dia, mio papà me levava ao lavoro e sempre havia sessão de teatro, pelo menos para mim.
Com o passar dos anos, não sei como nem por que, comecei a tirar da minha cabeça as histórias e deixava a boca lavorare. Percebia, nessas horas, que muitos trabalhadores – além de mio papà – paravam para me escutar e os olhares deles iam lontani ou tão mais que os meus.  Até que um dia, ao chegar a casa, mia mamma novamente perguntou:
___ Qualcosa di nuovo?

___ Niente! Le stesse stranezze, ma sono meravigliosi.