Boa leitura!

Abra-se, sinta o cheirinho penetrar nas suas narinas e o abraço envolver o seu corpo. Respire fundo, não tenha medo!
Entre neste mundo que não é só meu, viaje comigo e deixe-se levar.

28 de outubro de 2010

Em frente a minha casa




Aquela sempre foi a minha grande companheira, não importava o momento: dias tristes ou alegres. Estava sempre lá sorrindo, diante de minha casa; parecia que estendia os braços a fim de me acariciar. A pela áspera e grossa retinha as lágrimas do céu, estas eram sempre de alegria e faziam com que minha amiga se tornasse ainda mais iluminada e sorridente, exalando um maravilhoso perfume cítrico.

Juntas, brincávamos dia e noite; eu corria ao redor dela como se fosse um pequeno pássaro, sentia-me livre, não tinha preocupações, era como se aquele mundo fosse meu. Confesso que, às vezes, brigávamos, a culpa, na verdade, era sempre minha, pois eu sabia que o corpo desajeitado da minha amiga não era de fácil controle, vivia na dependência do tempo.

Aos poucos, fomos tomadas pela distância, quanto mais o tempo passava, mais a escola me exigia; depois veio a faculdade, a fase adulta e a briga com o relógio. Durante esse afastamento - se é que posso dizer assim porque ela sempre esteve lá, em frente a minha casa - soube da sua grave doença: uma espécie rara de alergia a dominou por completo e a fez - pouco a pouco - perder a alegria, o sorriso.

Um dia ao chegar do trabalho, era véspera de Natal, percebi algo estranho: não a encontrei lá me esperando, havia falecido. Fiquei triste, chorei, voltei à infância e culpei-me pelo ocorrido: será que a morte foi devido ao meu afastamento? Ela sempre me esperava, mas o tempo possibilitava-me apenas um “oi” rápido e, muitas vezes, seco. Em frente a minha casa ela não está mais, porém, sinto minha companheira de travessuras dentro de mim, em meus pensamentos.

Cristiane Gonçalves Dagostim
Crônica premiada do Concurso Literário da Academia Criciumense de Letras
Menção Honrosa

Introspecção: sim ou não?


Era uma sala pequena, carteiras expostas uma ao lado da outra, uma atrás da outra, degrau por degrau. Dessa forma, o local ganhava um ar de auditório. Tudo bem que era simples, cheiro de mofo, cortinas quebrassol, chão de madeira encerada; mesmo assim, a quantidade de pessoas preenchia cada espaço e juntos formavam um grande auditório.

Não sei ao certo o que pensavam; eu, na verdade, apenas ouvia aquelas vozes que não se entendiam, não se compreendiam. Questionamentos, reflexões, questionamento, reflexões... tudo misturado ao murmurinho de grupinhos contentes ou descontentes. Alguns riam, outros cochichavam; alguns escutavam e outros estavam longe, assim como eu. Para mim, aquilo era inutilidade, falas que cansavam e, para o tempo passar, precisei por-me a escrever e fazer daquele um espaço agradável.

De repente, dei-me conta de que as vozes cessaram e que o ambiente estava mais calmo. Como? Por quê? Olhei para frente e vi o microfone nas mãos de outra pessoa. Sinal de respeito, de medo ou de cobrança? Não sei de nada, ou melhor, não quis saber. Continuei crendo que escrever seria o melhor. Assim, eu viajaria entre as palavras, sairia daquele espaço que me chateava, encontrar-me-ia com a imaginação e sentir-me-ia melhor.

Realmente me senti, o tempo começou a caminhar e o tal auditório foi ficando longe... longe... distante; até que cheguei dentro de mim e numa paz, encontrei-me com os meus sentimentos, brigando. Por quê? Digo-vos! Coisas me fazem repensar a vida, o seu sentido, fazem-me compreender a minha caminhada, o que me assusta e me corrói. Quem sou? O que fiz? O que quero? Tantas e tantas dúvidas que buscam uma única resposta, mas esta eu não a tenho. 

Fico horas dentro de mim mesma, até que uma mão toca o meu braço. Olho meio assustada e um belo sorriso me convida: “É hora do lanchinho, vamos?”. Ainda meio distante, mas voltando àquele espaço, baixo a cabeça, folheio as páginas escritas, guardo a lapiseira, fecho a agenda colocando-a na bolsa e sigo para uma nova sala, novamente pequena e repleta de gente e ali, coloco-me novamente a observar.     

Cristiane Gonçalves Dagostim
Texto encaminhado ao Concurso da Academia Criciumense de Letras - 2010