Como se nada mais existisse ali, ao caminhar entre os cômodos repletos de poeira e cheirando à ambiente fechado, deparei-me com a penteadeira de meu antigo quarto. Estava ali, na mesma posição de sempre, entre a janela e uma das paredes. Meu coração parou de imediato e fui transportada para um tempo distante e de grande felicidade.
- Cida, vamos rápido! Iremos nos atrasar!
- Mãe, ainda falta muito tempo. Estou retocando o batom.
Ao descer cada degrau, meu pai sorriu e conduziu-me até o carro que me esperava à porta. A noite estava estrelada como nunca a tinha visto, o clima agradável fazia meu peito acelerar. Não sei lhe dizer se era nervosismo, medo, alegria; sei apenas que a cada rua aonde o carro ia sendo guiado, eu procurava registrar na minha memória cada detalhe.
- Cida, o que houve?
- Nada não, estava aqui relembrando... deixa pra lá!
- Então, venderá a casa?
A minha casa foi ficando distante e, aos poucos, o desfecho de todo aquele preparativo ia chegando, não foi à toa que quando o carro parou, minhas mãos começaram a tremer e as pernas ficaram bambas. Uma suave música começou a ser tocada, eu a escutava baixinho, penetrava em meu corpo fazendo-me caminhar como se estivesse flutuando.
Passo a passo fui sendo levada, guiada por meu pai. Diante de mim, alguém muito especial me esperava, estava lindo, sorrindo e com os olhos brilhantes como diamantes. Lentamente, segurou em minhas mãos e juntos nos ajoelhamos diante do altar. Abençoados fomos, felizes também.
- Mãe, você está bem? Escutou o que eu lhe perguntei?
- O Tito está falando com você dona Cida!
Sair da minha casa, ir viver a minha própria vida, construir a minha família assustou-me no início. A troca de cidade, devido ao trabalho do meu marido, fez com que eu me afastasse – e muito – da minha casa da infância. A saudade de meus pais era amenizada com os poucos telefonemas que trocávamos, com as cartas trocadas, com as notícias cruzadas.
Até que aos poucos, fui perdendo parte de mim. Primeiro meu pai que, durante uma pelada com os amigos, teve um infarto fulminante. Contaram-me que não deu tempo de nada, de palavra alguma. Minha mãe, não suportando tamanha solidão, caiu de cama. Auxiliada por uma vizinha, viveu assim por quase um ano, até que faleceu. E a casa, ali naquele bairro, naquela cidade distante, foi ficando. Meus filhos foram nascendo, crescendo...
Na semana passada, o Tito conversou comigo que estava planejando se casar e que queria comprar uma casa, a minha casa, a casa dos meus pais. Sua noiva nunca esteve lá, apenas ele na época de criança, durante as férias, quando eu e meu marido o colocávamos no ônibus e ele partia com um grande sorriso. Dizia-nos sempre: “Lá é que se é feliz!”.
- Então mãe? A casa é minha?
-Desculpe-me filho. Estava aqui olhando a penteadeira e recordando-me da minha infância. Veja só, eu não tinha essas rugas, esse cabelo branco... Aqui fui muito feliz.
Saí daquele quarto acompanhada por Tito e Rebeca, descemos cada degrau, seguimos até a sala. Lá, diante do autorretrato de meus pais, dei-lhes a casa como presente de casamento e pedi que fizessem daquele local um ambiente de muita felicidade e alegria. Meu marido, que Deus o tenha, parece que assistia a tudo aquilo, senti-me tocada por suas mãos, colhida em seus abraços. Um arrepiou me tomou por completo, sei que juntos ficaremos, depois de tanto tempo voltarei a morar na casa da minha infância na companhia de uma outra parte de minha família.
(Cristiane Gonçalves Dagostim: 27 ago. 2010)
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