A magia das histórias
“Chegou a hora!” – disse a mim mesmo – “É hora de apagar a tevê,
concentrar-me e trazer a tona o que nesta mente brilhante sempre fica
borbulhando.”
É sempre aquela mesma coisa, lá,
lá no fundinho da caixa preta, as histórias incríveis saem e se forem contadas
em voz alta, parece que também saem, não com eu gostaria, muita coisa se perde,
mas... “Garoto, foco!”.
Opss, meu inconsciente está me
chamando.
Retomo as letras e aqui estou eu novamente: luz, câmera, ação...
....................................................
___ Capisco si!
Era assim que as conversas sempre terminavam quando papà, diante da
plantação, tentava me ensinar sobre a lida. Porém, confesso que não estava nada
interessado pelos seus ensinamentos.
___ Fabrizio mio, non è così
che si taglia l'uva, caspita!
Não entendia ele, que a forma de eu retirar o cacho de uva tinha haver
com a minha imaginação. Eu era apenas uma criança, tinha oito anos, queria
brincar e a forma encontrada era fantasiando.
Lembro-me muito bem de ser surpreendido várias vezes por mio papà aos
sacolejos, segurando-me pelos braços e gritando:
___Svegliati, svegliati,
svegliati dai tuoi sogni, ragazzo, ora momento dal lavoro, Dio Mio.
Sabia que era momento do trabalho, mas eu estava sim lavorando, fazendo
lavoro de bambino: ampliando a minha fantasia. Nessas horas em que via mio papà
arrabbiato, logo procurava encontrar uma forma de escapar do inimigo. Era
engraçado.
Saía correndo pelos parreirais, mio papà atrás, com a cinta in mano –
para mim uma arma poderosa que poderia me deter – porém, por eu ser piccolino,
corria muito mais, além de ter mais fôlego. Claro que papà nunca me alcançava,
ele sempre acabava se sentando para descansar e dizia as mesmas palavras:
___ Ragazzo, ragazzo, non hai
giudizio!
Juízo eu tinha de sobra, adorava ver mio papà correndo atrás de mim, era
pura diversão. As pisadas nos ganhos secos e nas folhas caídas ao chão faziam
um barulho que ainda hoje me trazem sensações maravilhosas. Parecia uma tropa
tentando me capturar e eu fugindo.
Quando eu percebia que ele tinha se acalmado, procurava chegar perto.
Apesar daquele jeito rude, de correr com a cinta in mano, non mi ha mai colpito
um tapa, sempre foi bem carinhoso. Mamma sempre comentava que papà parecia um
abacaxi dolce: bello por dentro e brutto por fora.
Bene, papà sempre tentou me ensinar as lidas do lavoro. Hai capito? A
verdade é non ho mai capito niente, sempre quis saber de outras coisas, menos
de uva, menos de piantagione. Mio papà dizia que eu era um bambino estranho,
mas um figlio molto speciale porque consegui, pouco a pouco, fazer com que ele
também conhecesse o meu mundo.
Até os sete anos, mia mamma é quem ficava comigo o dia todo. Ela
costumava a dizer a famiglia que eu tinha alguma coisa diferente, mas que não
sabia o que era. Confesso que também me sentia assim, as crianças da minha
idade gostavam de coisas normais: peão, bola de gude, boneca, carrinhos; mas eu
era atraído por letras.
Se quisessem saber onde estava Fabrizio, poderiam apostar: diante de um
cartaz, uma revista... qualquer coisa que tinha letra. Por isso, ao completar oito
anos, mamma e papà fizeram um acordo: papà ficaria comigo na plantação porque
assim eu estaria longe das letras e me tornaria um bambino normal.
Una vera illusione! Naquela época, a escola era lontana, aprendíamos tudo
em casa, con i genitori. Mia mamma, mal tinha terminado a quarta-série e não
sabia escrever, mio papà rabiscava apenas algumas palavras. Eu, Fabrizio, com
oito anos, ficava ali, em frente delas, que me chamavam tanta atenção, mas que
me foram “proibidas’, brutto engano.
Um nuovo mundo eu encontrei junto ao papà, lá no meio dos parreirais eu
criava minhas histórias, fantasiava, chegava até a dormir de tanto sonhar, o
que me levava a ser sacolejado ou a ter que fugir do arqui-inimigo. Quando
chegávamos a casa, mamma perguntava:
___ Qualcosa di nuovo?
___ Niente! Le stesse
stranezze!
Eu sabia do que comentavam, de mim, claro, mas não me importava não. E
dia após dia, mio papà me levava ao lavoro e sempre havia sessão de teatro,
pelo menos para mim.
Com o passar dos anos, não sei como nem por que, comecei a tirar da minha
cabeça as histórias e deixava a boca lavorare. Percebia, nessas horas, que
muitos trabalhadores – além de mio papà – paravam para me escutar e os olhares
deles iam lontani ou tão mais que os meus.
Até que um dia, ao chegar a casa, mia mamma novamente perguntou:
___ Qualcosa di nuovo?
___ Niente! Le stesse
stranezze, ma sono meravigliosi.
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