Boa leitura!

Abra-se, sinta o cheirinho penetrar nas suas narinas e o abraço envolver o seu corpo. Respire fundo, não tenha medo!
Entre neste mundo que não é só meu, viaje comigo e deixe-se levar.

16 de maio de 2014

A magia das histórias

“Chegou a hora!” – disse a mim mesmo – “É hora de apagar a tevê, concentrar-me e trazer a tona o que nesta mente brilhante sempre fica borbulhando.”
 É sempre aquela mesma coisa, lá, lá no fundinho da caixa preta, as histórias incríveis saem e se forem contadas em voz alta, parece que também saem, não com eu gostaria, muita coisa se perde, mas... “Garoto, foco!”.
 Opss, meu inconsciente está me chamando.
Retomo as letras e aqui estou eu novamente: luz, câmera, ação...
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___ Capisco si!
Era assim que as conversas sempre terminavam quando papà, diante da plantação, tentava me ensinar sobre a lida. Porém, confesso que não estava nada interessado pelos seus ensinamentos.
___ Fabrizio mio, non è così che si taglia l'uva, caspita!
Não entendia ele, que a forma de eu retirar o cacho de uva tinha haver com a minha imaginação. Eu era apenas uma criança, tinha oito anos, queria brincar e a forma encontrada era fantasiando.
Lembro-me muito bem de ser surpreendido várias vezes por mio papà aos sacolejos, segurando-me pelos braços e gritando:
___Svegliati, svegliati, svegliati dai tuoi sogni, ragazzo, ora momento dal lavoro, Dio Mio.
Sabia que era momento do trabalho, mas eu estava sim lavorando, fazendo lavoro de bambino: ampliando a minha fantasia. Nessas horas em que via mio papà arrabbiato, logo procurava encontrar uma forma de escapar do inimigo. Era engraçado.
Saía correndo pelos parreirais, mio papà atrás, com a cinta in mano – para mim uma arma poderosa que poderia me deter – porém, por eu ser piccolino, corria muito mais, além de ter mais fôlego. Claro que papà nunca me alcançava, ele sempre acabava se sentando para descansar e dizia as mesmas palavras:
___ Ragazzo, ragazzo, non hai giudizio!
Juízo eu tinha de sobra, adorava ver mio papà correndo atrás de mim, era pura diversão. As pisadas nos ganhos secos e nas folhas caídas ao chão faziam um barulho que ainda hoje me trazem sensações maravilhosas. Parecia uma tropa tentando me capturar e eu fugindo.
Quando eu percebia que ele tinha se acalmado, procurava chegar perto. Apesar daquele jeito rude, de correr com a cinta in mano, non mi ha mai colpito um tapa, sempre foi bem carinhoso. Mamma sempre comentava que papà parecia um abacaxi dolce: bello por dentro e brutto por fora.
Bene, papà sempre tentou me ensinar as lidas do lavoro. Hai capito? A verdade é non ho mai capito niente, sempre quis saber de outras coisas, menos de uva, menos de piantagione. Mio papà dizia que eu era um bambino estranho, mas um figlio molto speciale porque consegui, pouco a pouco, fazer com que ele também conhecesse o meu mundo.
Até os sete anos, mia mamma é quem ficava comigo o dia todo. Ela costumava a dizer a famiglia que eu tinha alguma coisa diferente, mas que não sabia o que era. Confesso que também me sentia assim, as crianças da minha idade gostavam de coisas normais: peão, bola de gude, boneca, carrinhos; mas eu era atraído por letras.
Se quisessem saber onde estava Fabrizio, poderiam apostar: diante de um cartaz, uma revista... qualquer coisa que tinha letra. Por isso, ao completar oito anos, mamma e papà fizeram um acordo: papà ficaria comigo na plantação porque assim eu estaria longe das letras e me tornaria um bambino normal.
Una vera illusione! Naquela época, a escola era lontana, aprendíamos tudo em casa, con i genitori. Mia mamma, mal tinha terminado a quarta-série e não sabia escrever, mio papà rabiscava apenas algumas palavras. Eu, Fabrizio, com oito anos, ficava ali, em frente delas, que me chamavam tanta atenção, mas que me foram “proibidas’, brutto engano.
Um nuovo mundo eu encontrei junto ao papà, lá no meio dos parreirais eu criava minhas histórias, fantasiava, chegava até a dormir de tanto sonhar, o que me levava a ser sacolejado ou a ter que fugir do arqui-inimigo. Quando chegávamos a casa, mamma perguntava:
___ Qualcosa di nuovo?
___ Niente! Le stesse stranezze!
Eu sabia do que comentavam, de mim, claro, mas não me importava não. E dia após dia, mio papà me levava ao lavoro e sempre havia sessão de teatro, pelo menos para mim.
Com o passar dos anos, não sei como nem por que, comecei a tirar da minha cabeça as histórias e deixava a boca lavorare. Percebia, nessas horas, que muitos trabalhadores – além de mio papà – paravam para me escutar e os olhares deles iam lontani ou tão mais que os meus.  Até que um dia, ao chegar a casa, mia mamma novamente perguntou:
___ Qualcosa di nuovo?

___ Niente! Le stesse stranezze, ma sono meravigliosi.

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